Secretária diz que nunca foi orientada a defender uso da cloroquina

Médica presta depoimento à CPI da Pandemia do Senado.

Foto: Reprodução

 

Agência Brasil

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Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado, nesta terça-feira (25), a médica Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, afirmou que nunca recebeu ordem do ex-ministro da pasta Eduardo Pazuello ou do presidente Jair Bolsonaro para defender o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. Aos senadores, a médica disse ainda que o ministério nunca indicou “tratamento precoce” para covid-19, tendo apenas criado nota orientativa que estabeleceu doses seguras de medicamentos.

Sobre a defesa do uso de cloroquina – medicação sem comprovação de eficiência no tratamento da covid-19 – a médica explicou que a discussão surgiu quando o Brasil deparou com um trabalho científico produzido em Manaus, que resultou na morte de 22 pacientes. Segundo ela, a partir desse estudo, foi preciso definir parâmetros considerados seguros pelos técnicos do Ministério da Saúde para o uso do medicamento.

“Nesse momento, o Ministério da Saúde reuniu os seus técnicos para que nós pudéssemos criar um documento juridicamente perfeito para proteger a população brasileira e orientar os médicos sobre doses seguras desses medicamentos que já vinham sendo utilizados no mundo inteiro e vinham sendo utilizados pela população brasileira, às vezes, sem a orientação médica”, afirmou. Mayra defendeu que toda e qualquer pessoa, aos primeiros sinais e sintomas da covid-19, procure uma unidade de saúde para que possa ser atendida pelo médico e, de acordo com a orientação desse profissional e a vontade do paciente, “possa ou não receber medicamentos que podem mudar o curso da doença.”

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Perguntada a respeito de quem foi o responsável por ordenar ao Exército que ampliasse a produção de cloroquina em função do uso elevado do medicamento no tratamento de pacientes com covid-19, Mayra respondeu que não sabe de quem partiu a determinação. “Eu não sei dizer [quem ordenou], o ministro Mandetta [Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde] deveria saber. Eu não sei informar”, disse.

OMS – O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), quis saber sobre o motivo de o Brasil não ter seguido orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) em relação ao novo coronavírus. A médica afirmou que nenhum país do mundo é obrigado a isso. “O Brasil não é obrigado a seguir a OMS e se tivéssemos seguido teríamos falhado como a OMS falhou várias vezes”, destacou a secretária.

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Mayra avaliou que a orientação da OMS que qualificou a cloroquina como “ineficaz” contra a covid-19 é “baseada em estudos que foram feitos com qualidade metodológica questionável” com uso da medicação na fase tardia da doença, quando, segundo ela, não há benefício para os pacientes. “Então, nessas situações, analisando os estudos que ela [OMS] utilizou para essa tomada de decisão, o Brasil, o próprio Conselho Federal de Medicina, deixa bem claro que os médicos têm autonomia para usar todos os recursos que não causem malefícios e que possam trazer benefícios para o enfrentamento da doença”, disse, ao defender o uso do medicamento na fase inicial da covid-19.

TCU – O relator lembrou despacho do ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União, que em  janeiro entendeu que não seria lícito o uso da cloroquina pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo off-label, sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em razão da Lei do SUS. Zymler ressaltou  que mesmo o uso off-label (indicação não prevista na bula). poderia ser autorizado pela Anvisa mediante solicitação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no Sus (Conitec), órgão responsável por assessorar o Ministério da Saúde na definição de  protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.

Questionada se orientou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a submeter o assunto à Conitec antes da publicação das notas informativas que autorizavam o uso de cloroquina pelo SUS, Mayra Pinheiro disse que não e que também não seria atribuição da secretaria que atua. “Diante de um contexto da covid, que é uma doença grave e de desfecho incerto, os processos para a gente apresentar uma medicação à Conitec ou qualquer outro tipo de tecnologia a ser incorporada, eles levam meses para que sejam apresentados estudos. E nós estamos, de novo, eu insisto, tratando de uma doença grave. O uso off-label dessas medicações a gente já tem”, justificou. Em parecer proferido em abril de 2020, o Conselho Federal de Medicina (CFM) permitiu o uso off-label dos medicamentos, em casos excepcionais.

Imunidade de rebanho – Outro tema abordado com a secretária foi sua posição a respeito da chamada imunidade de rebanho – que ocorre quando uma parcela significativa de uma população fica imune a uma doença infecciosa limitando a sua propagação. Mayra Pinheiro afirmou que a “estratégia não pode ser usada indistintamente” e que suas posições a respeito do tema foram mal compreendidas.

Depois de ouvir uma gravação apresentada pelo relator da CPI na qual Mayra defende que o correto teria sido, no início da doença, manter isolados somente idosos e pessoas dos grupos de risco, deixando crianças frequentarem a escola, para que a doença evoluísse de forma natural, a médica afirmou que não se recordava de ter se manifestado sobre o assunto. Segundo Mayra, que é pediatra, a ideia era defender apenas que as crianças pudessem continuar frequentando escolas. Para ela, o que se fez ao impedir que as crianças estudassem foi uma das “maiores agressões” feitas à população.

Aplicativo – Durante depoimento à CPI, a médica disse que o aplicativo não foi hackeado, diferentemente do que afirmou Pazuello à comissão. Sobre o aplicativo que funcionava como uma espécie de calculadora para auxiliar médicos no diagnóstico e na prescrição de tratamento da covid-19, inclusive com medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, como ivermectina e hidroxicloroquina, Mayra disse que “o que houve foi uma extração indevida de dados”. “Tiramos o aplicativo do ar para investigar o que aconteceu”, esclareceu. Ainda segundo ela, a plataforma nunca foi colocada no ar, tendo sido apresentado apenas um protótipo.

Mayra explicou que a invasão teria sido feita por um jornalista que, em suas redes sociais, “começou a fazer simulações fora de qualquer contexto epidemiológico, causando prejuízos à sociedade”. “ A ordem do ministro [Eduardo Pazuello], quando nós soubemos, através da imprensa, do uso indevido, foi retirar a plataforma do ar, afastar o servidor, para que fosse feita toda a investigação necessária. E foi feito um boletim de ocorrência”, afirmou.

Ainda sobre a plataforma, a secretária confirmou que o aplicativo foi criado por técnicos da secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, pela qual ela responde. A médica disse que a ferramenta surgiu em janeiro, diante da necessidade de atendimento rápido à população, quando Manaus enfrentava um colapso na saúde por causa da falta de oxigênio na rede hospitalar.

Habeas corpus – Investigada por improbidade administrativa por conta da falta de oxigênio registrada em Manaus, no mês de janeiro, a secretária, no entanto, não é obrigada a responder aos questionamentos relacionados a esse inquérito por estar protegida por um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal. A decisão do ministro Ricardo Lewandowski, permite à secretária permanecer em silêncio quando perguntada sobre fatos ocorridos entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, período em que ocorreu a crise do oxigênio hospitalar em Manaus.